Dentro da indústria fonográfica da América Latina (excluindo o Brasil...), estamos vendo ganhar (novamente) grande destaque a música tradicional mexicana. Jovens artistas e outros já consagrados estão colocando em alto som rancheras, corridos, boleros entre outros. Podemos citar as jovens cantoras Ângela Aguilar e Camila Fernandez, e os veteranos Pedro Fernandez (também ator, fez um dos personagens principais da série “Mariachis”, da Max) e Luis Miguel (que tem batido recordes de venda de ingressos em seu retorno aos palcos, desde o meado de 2023, cantando, inclusive, com um grupo de Mariachi que o acompanha em todos os shows).
No entanto, o corrido tem ganhado um espaço diferenciado em premiações, revistas especializadas e até nos espaços de fofocas da imprensa, principalmente, com a figura do jovem cantor Peso Pluma. E é sobre o corrido que quero falar neste texto. Mais propriamente, o corrido do grupo mexicano Los Tigres del Norte.
A banda lançou o seu EP que recebeu o sugestivo título “Aquí mando yo”, no final de maio de 2024. A canção que dá nome ao álbum tem alguns recados. É quase um manifesto em defesa da história da banda e contra aqueles que estão usando o corrido só para fazer sucesso, sem compromisso, de fato, com o aspecto cultural. Convenhamos, é algo que é bem comum com vários ritmos que acabam conquistando o interesse do público.
Mas, vamos por parte. O título bem sugestivo do álbum e da música é essa reinvindicação da história, da tradição da banda como representante de um ritmo tradicional mexicano. De fato, as músicas tradicionais do único país latino do norte do continente sempre tiveram um alcance de público muito grande. Primeiro, com o cinema mexicano, já nas décadas de 1930 e 1940. Depois, o rádio, a tv e agora a internet possibilitaram que esses ritmos chegassem em vários lugares, conquistando o gosto popular e influenciando outros compositores e cantores de vários países, inclusive aqui do Brasil.
A banda Los Tigres del Norte começou no final da década de 1960, com três irmãos e um primo, vindos de uma família pobre, tocando em restaurantes na fronteira entre o México e os Estados Unidos. Eles são de Sinaloa e isso, para quem conhece um pouco a história recente do México, com certeza, diz muito.
Foi tocando na Califórnia, pela primeira vez, numa festa mexicana, que os rapazes chamaram a atenção de um produtor dos Estados Unidos que ajudou o grupo a gravar seu primeiro disco, já no início da década de 1970. De lá para cá, muita coisa mudou, como os integrantes. A banda passou a residir nos Estados Unidos, logo no início da carreira, mas sem deixar de cantar os ritmos mexicanos.
Com mais de cinquenta anos de carreira, o grupo acumula cifras muito interessantes: são 140 discos de platina, 15 nomeações para o Grammy e mais de 700 canções gravadas. O prêmio Grammy veio em 1987, com o álbum “América sin fronteras”, com destaque para a música “La puerta negra”, de temática, digamos, amorosa.
Buscando valorizar a tradição mexicana, o grupo mantém a fundação que leva seu nome, para a conservação e defesa da herança cultural mexicana nos Estados Unidos. Talvez, também por isso, “Aquí mando yo” fale exatamente dessa postura da banda que não é só de fazer sucesso e ganhar dinheiro, mas dessa relação de respeito pela própria cultura. Aliás, esta temática também está em outra canção de Los Tigres del Norte, “Jefe del jefes”.
Ao chamar a atenção da nova geração de cantores de corrido, principalmente da vertente chamada corrido tumbado, o grupo critica esses, segundo a música, esqueceram do compromisso com a identidade cultural mexicana.
Um dos cantores da nova geração, que tem alcançado muito sucesso com o corrido tumbado, é peso pluma. Com vários prêmios e algumas polêmicas, o jovem tem se destacado na mídia e na indústria fonográfica. Junto com Eslabon Armado, gravou a premiada canção “Ella baila sola”.
O corrido e o corrido tumbado, que estão num grupo de estilos chamados de norteño (pela região norte do país), têm sido a escolha rítmica de muitos jovens cantores, principalmente, que vivem na fronteira entre o México e os Estados Unidos da América. Essa região, infelizmente, tem enfrentado muitos problemas sociais, políticos e econômicos e com a imigração ilegal. É uma área de disputa de poder do tráfico de drogas, com muitos casos de sequestro, desaparecimento de pessoas e assassinatos. Uma realidade que tem alguns pontos em comum, por exemplo, com o Rio de Janeiro, no Brasil.
Mas, o que isso tem a ver com o corrido? Muitos dos jovens que residem nessa região, que adotam o corrido como ritmo para a sua carreira artística, são associados aos grupos de traficantes. Em alguns casos, são até impedidos de fazer shows nas áreas de grupos inimigos e alguns foram assassinados. Peso Pluma, por exemplo, teve sua apresentação cancelada no maior festival de música latino-americana, o da cidade chilena de Vinha del Mar, em 2023, acusado de fazer apologia a um desses grupos de traficantes.
Então, não dá pra falar do corrido sem citar todos esses problemas. Que isso possa nos ajudar a refletir, como sociedade, sobre essas realidades e pensar e trabalhar para que sejam superadas. Aliás, essa temática também faz parte das letras das músicas de corrido, como a “Contrabando y traición”, de Los Tigres del Norte.
Os artistas de corrido, no México, vivem algo como alguns do samba e do funk, por exemplo, no Brasil, de cantores se viram envolvidos com grupos dos chamados contraventores, como do jogo do bicho e do tráfico de drogas. Mas, mesmo diante desses problemas, alguns artistas se destacam e fazem muito sucesso na indústria fonográfica, como é o caso do Peso Pluma, de quem já falamos aqui.
O que está no centro do debate, com a gravação do grupo Los Tigres del Norte, é se realmente essa nova geração está comprometida com a cultura mexicana ou se só está pensando em fama e dinheiro. Diante de todas essas questões, Los Tigres del Norte voltam a reivindicar sua posição de “chefe dos chefes”, como são chamados também, por causa de outra música. Então, parece que está dado o recado, e como é comum no mundo da música, pode ser que tenha resposta. Vamos aguardar se algum ou alguns dos novos nomes resolvem compor outra canção de corrido para reivindicar seu lugar na cena da música tradicional mexicana.
As informações que constam neste texto, sobre Los Tigres del Norte vieram do site oficial da banda. E, por meio de leituras, principalmente de pesquisas acadêmicas, fomos descobrindo mais sobre a história do ritmo e sua relação com a situação social do México.
Postado em: 05 jun. 2024
Autora: Suzana Coutinho